sábado, 13 de agosto de 2022

Cadeirante denuncia tortura no Complexo Médico Penal, em Pinhais: “Comido por bactéria”




 Um homem cadeirante, de 33 anos, denuncia uma série de maus-tratos que sofreu durante o período em que esteve detido no Paraná. Por dois meses, Daniel* foi submetido a condições insalubres sem atendimento médico adequado no Complexo Médico Penal (CMP). Foi comido vivo por bactérias. Passou fome e sede. Ficou dias em meio a fezes e urina, sem ser cuidado. Desenvolveu uma infecção grave que o deixou próximo à morte. As imagens são assustadoras.


As situações humilhantes fizeram com que a vítima entrasse com uma ação no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), cujo teor do processo foi obtido com exclusividade pelo Metrópoles. Daniel pede R$ 243,3 mil em razão de danos morais, estéticos e materias que alega ter sofrido.

Esta pessoa, este ser humano, passou fome, sede, dias em meio a suas necessidades, sofreu a humilhação de ter que se arrastar pela cela em busca de ajuda, ajuda esta que era dada, de forma incapacitada, pelos próprios companheiros”, detalham os advogados Jefferson Silva e Rafael Boaretto Höschele, que representam a vítima, na petição inicial.

No documento, eles contam que Daniel “sentiu seu corpo ser comido de dentro para fora, viu seu corpo se degenerar, com o passar dos dias, semanas, meses”. Também apontam que o preso passou noites em claro e deixou de tomar remédios que não eram administrados.



“O sentimento de queimação e dor a cada momento que urinava, uma infecção que alcançava suas partes íntimas, o medo de perdê-las. Sonda não trocada, anemia que o enfraquecia, vida que se esvaía. Desespero, terror, impactos psicológicos que sente até o dia de hoje, cicatrizes que para sempre o lembrarão dos dias de tortura suportados no Complexo Médico Penal do Paraná”, acrescentam os advogados.

Daniel envolveu-se em um roubo em outubro de 2016. Durante o crime, ele acabou atingido por uma bala em meio a um tiroteio, que o deixou paraplégico. O homem foi hospitalizado e encaminhado ao sistema prisional do estado.



Por conta da condição de saúde, que demanda acompanhamento, ele teve que ser encaminhado ao Complexo Médico Penal do Paraná (o mesmo que receberia o policial penal federal Jorge Guaranho, acusado de matar o petista Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu), onde denuncia ter sido vítima de vários tipos de abuso.


Com sequelas físicas e mentais, a vítima ainda convive com as cicatrizes e feridas abertas dos dias de horror que viveu dentro da cela.Dentro do complexo penitenciário, Daniel chegou a ficar quatro dias entre as próprias fezes e urina. Por conta das restrições impostas pela deficiência, ele precisava de ajuda para necessidades básicas e chegou a usar fraldas. Além disso, desenvolveu anemia e teve infecções urinárias por conta das sondas.


Devido às péssimas condições de higiene, uma bactéria surgiu na região íntima e avançou para outras regiões do corpo, como costas, braços e pernas. Por conta do risco de contágio, ele precisou ser isolado de outros presosA prisão de Daniel foi convertida para domiciliar em fevereiro de 2017 – dois meses e sete dias após dar entrada no Complexo Médico Penal. Ele ainda ficou internado por 17 dias, lutou pela vida, e conseguiu, em grande parte, segundo a defesa, curar as infeções, feridas e anemia.


Restaram, contudo, as sequelas da tortura pelo qual foi submetido no sistema prisional estadual.


“Diante do exposto, a parte autora requer indenização, pelos danos morais sofridos, pela humilhação, pelo terror passado, pelo destrato, pela tortura física e psicológica, pelos danos materiais suportados, pelos danos estéticos permanentes”, assinalam os advogados.


Procurado pela reportagem, o governo do Paraná não respondeu até a publicação. O espaço segue aberto.


Sistema prisional

Recentemente, o mesmo complexo penitenciário alegou não ter condições de receber o policial penal Jorge Guaranho, que responde pelo assassinato do tesoureiro do PT Marcelo Arruda. A defesa dele argumentou à Justiça que o réu não consegue executar atividades básicas sem auxílio de outras pessoas.


Sendo assim, o local não teria a estrutura necessáriapara recebê-lo. O tribunal paranaense acatou o pedido. O mesmo pedido foi feito pela defesa de Daniel, que teve a solicitação negada inicialmente.


“Ele apresentou uma infecção muito agressiva, e foi solicitado várias vezes para que ele fosse transferido para prisão domiciliar. Além das necessidades de atendimento por conta da deficiência, ele precisou de medicamentos para tratar as bactérias”, diz o advogado Jefferson Silva.


Os sinais do período “análogo à tortura” permanecem. Por conta das feridas, ainda abertas, ele se sente constrangido em sair de casa, precisa fazer uso contínuo de medicação para controlar as dores e não consegue “levar uma vida normal”, de acordo com os advogados. A vítima pede R$ 243.324 em razão de danos morais, estéticos e materiais.


“O objetivo é tentar reparar, de alguma forma, os danos morais sofridos, a humilhação, o terror passado, o destrato, a tortura física e psicológica, os danos materiais suportados e os os danos estéticos permanentes”, diz a ação enviada à Justiça contra o estado do Paraná.


Para preservar a identidade da vítima, foi adotado um nome fictício na reportagem. 







Metrópoles

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