Imagine que o seu filho, como muitos brasileiros, tem o sonho de ser jogador de futebol. Certo dia, ele é abordado por um olheiro bom de papo que promete uma mudança de vida para a sua família. Para isso, será preciso pagar uma mensalidade de mil reais e permitir que o adolescente permaneça aos cuidados dele numa cidade distante, para treinar e fazer testes. Você desconfiaria ou sonharia junto?
Essa é a história de pelo menos dez adolescentes resgatados de um “alojamento” no bairro Guarituba, em Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba. O responsável pelo local seria Valdeci Rodrigues dos Santos, que foi preso em flagrante pela Polícia Civil, preventivamente, enquanto é investigado por estelionato e, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público do Paraná (MP-PR), também pelo crime de tráfico de pessoas.
Os jovens foram encaminhados para um abrigo secreto providenciado pelo Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado do Paraná. Alguns foram buscados pelos pais, outros não tinham dinheiro para voltar – nesses casos, foram utilizados recursos do Fundo para Infância e Adolescência (FIA). Todos já estão em casa.
O contexto da fraude
“Dizem que todo brasileiro se sente um pouco técnico de futebol, não é? Tem gente que acha que tem um dom para enxergar talentos, e aí decide oferecer o serviço de ajudar meninos sonhadores a entrarem no esporte. Esse cidadão criou uma estrutura desse tipo, apelando para a enganação”, diz a procuradora do trabalho Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes.
Como isso aconteceu? A partir da construção de um personagem. “Ele disse que conhecia Deus e o mundo, que foi olheiro de fulano e beltrano, que um suposto talento que está jogando em algum país da Europa foi descoberto por ele… Contou história para quem quer sonhar.”
Para sustentar a fraude, Santos teria se aproveitado da empatia que a Chapecoense ganhou após a tragédia que o clube enfrentou em 2016, com a queda do Voo 2933 da LaMia. No início, ele dizia representar o time. “Ele pintou o muro do alojamento com os adereços da Chapecoense, chegou até as famílias com a camisa do clube, convidando para fazer teste… Foi assim que os pais deixaram seus filhos sob a custódia desse cidadão, pagando mil reais por mês.”
Os adolescentes eram todos da Região Metropolitana de Cuiabá, onde jogavam em uma escolinha de futebol bastante simples. A promessa, portanto, era trazê-los para o Sul e ajudá-los a entrar para a categoria de base de grandes times.
“Eles estavam na maior expectativa porque, no sábado, saberiam se passaram no teste para a categoria de base do Coritiba. Fiz uma audiência com o clube e eles me juraram de pés juntos que não havia teste algum. Por conta da pandemia, os treinamentos da categoria de base estão suspensos”, afirma a procuradora.
O tal centro de treinamento onde eles fizeram o falso teste era, na verdade, uma escolinha conveniada ao Coritiba. “O dono nos disse que eles tinham feito uma aula experimental gratuita, apenas isso. E era com esse tipo de história que ele mantinha os meninos numa situação de servidão fundada numa fraude.”
O MPT apurou que Santos já chegou a alojar 40 adolescentes. “Eles viviam num lugar apertadinho, dentro da casa do traficante, com um beliche ao lado do outro. Não relataram sofrer nenhuma violência física ou passar fome – mas ser enganado, ter o sonho roubado é uma grandessíssima violência.”
0 Deixe seu comentário:
Postar um comentário